Parece estranho e para muitos até assusta, como admite bispo da própria
Igreja Renascer. Colado na porta de vidro de um templo de igreja
evangélica, um cartaz anuncia um campeonato de artes marciais mistas,
conhecido pela sigla em inglês MMA e popularizado como uma espécie de
vale-tudo.
O palco das 12 lutas, sendo 11 delas entre atletas amadores e apenas
uma envolvendo profissionais, deixa de ser um local de culto e oração a
partir das 22h desta sexta-feira (27). O templo da Renascer que receberá
a competição fica na Vila Matilde, região da Penha, na Zona Leste de São Paulo.
Na noite desta quinta-feira (26), em uma sala nos fundos do templo, ocorreu a pesagem dos 24 lutadores, distribuídos em quatro categorias – até 62 kg, de 62kg até 70 kg, de 70 kg até 84 kg, e de 84 kg até 93 kg.
Na noite desta quinta-feira (26), em uma sala nos fundos do templo, ocorreu a pesagem dos 24 lutadores, distribuídos em quatro categorias – até 62 kg, de 62kg até 70 kg, de 70 kg até 84 kg, e de 84 kg até 93 kg.
A justificativa, no entanto, é mais do que imediata e direta: “é
preferível que um atleta perca um pouco de sangue no octógono (como é
chamado o ringue das lutas de MMA) do que ele perder a vida para as
drogas ou para a criminalidade”, ressalta o bispo George Ramos.
O objetivo principal do quarto campeonato de lutas de MMA é justamente o
de conseguir novos fiéis para a Igreja Renascer. Ao mesmo tempo, o de
utilizar o esporte – qualquer que seja – como ferramenta para tirar os
jovens do meio do tráfico. Por último, ajudar os lutadores,
profissionais e amadores, a ganharem projeção no cenário desportivo.
A opção pelo MMA como instrumento para arrebanhar novos fiéis se deu
pela sua crescente popularidade, principalmente entre os mais jovens,
nos últimos anos. “Além disso, é um esporte mais fácil de viabilizar em
um templo, por exemplo. Nós (da Renascer) já temos um nicho de
realização de eventos, com os quais atraímos os jovens. Nós usamos esta
estratégia para viabilizar a palavra de Deus”, afirmou Vagner Miguel,
mais conhecido como presbítero Baby.
Com esta finalidade, a Renascer já havia criado há cerca de 15 anos o
Ministério de Lutas, que promovia cursos de jiu-jitsu e muay thai, lutas
marciais. Em 2008, teve início, não sem sustos, a promoção das lutas de
MMA. “Como se trata de um esporte de contato, isso assusta muitas
pessoas em outras igrejas. No começo, na nossa também assustou. Mas tudo
o que fazemos aqui é com temor a Deus”, afirmou bispo Ramos, em
preleção aos 24 lutadores, a maioria deles, curiosamente, de não
evangélicos, antes de se iniciar a pesagem.
Felipe Gabriel: "Só entra ali quem está preparado"
(Foto: Marcelo Mora/G1)
(Foto: Marcelo Mora/G1)
Apesar de as lutas serem autorizadas pela Federação Paulista de MMA,
algumas regras, principalmente nas lutas entre atletas amadores, são
alteradas para evitar contusões mais sérias nos combates – e, claro,
minimizar os efeitos de golpes mais violentos. “É preciso lembrar que
alguns aqui vão lutar e nem vão dormir, vão direto para o trabalho”,
destacou o presbítero Baby.
Quando os dois lutadores estiverem no chão, não é permitido socar o
rosto do adversário, por exemplo. De pé, não valerá nem cotovelada e nem
cabeçada no adversário. E quando o oponente recorrer ao terceiro apoio –
dois pés e mais o joelho, ou o os dois pés e uma mão no chão, por
exemplo – é vetado dar joelhada na cabeça. Alguns golpes que possam
causar lesão de joelho também não serão permitidos. Qualquer infração
dentre as citadas acima é punida com a eliminação imediata, segundo os
organizadores.
Se para os integrantes da Renascer não há qualquer contradição em aliar
fé com lutas de MMA, aos lutadores, evangélicos ou não, quando dentro
do octógono, interessa apenas a luta em si – e mais nada.
“Só entra ali quem está preparado. As outras coisas ficam de fora. Você
pensar em superar o seu adversário. Não há contradição alguma nisso,
pois é um evento para atrair fiéis para um caminho melhor”, defendeu o
comerciante Felipe Gabriel, de 20 anos e frequentador da Renascer há
seis anos. No cartel dele, 10 lutas de MMA, com sete vitórias.
Marcelo Matias: 'Quero visibilidade para lutar'
(Foto: Marcelo Mora/G1)
(Foto: Marcelo Mora/G1)
“Não há nenhuma contradição (em ser evangélica e praticar MMA). Porque
eu pratico um esporte. Eu penso como esportista, não quero agredir por
agredir. Não pode querer ser valentão na rua. Por isso que é um esporte
que tem juiz, que tem regras. É uma combinação que funciona: esporte e a
palavra de Deus”, completou o professor de jiu-jitsu Aloísio
Figueiredo, de 29 anos e frequentador da igreja pentecostal Brasa Viva.
Lutador profissional de MMA, Marcelo Matias, de 29 anos, será um dos
protagonistas da noite ao fazer a luta de fundo, na disputa pelo
cinturão do torneio. Matias, no entanto, não é evangélico. Ele admite
conhecer mais de perto a igreja que promove o evento, mas a prioridade
dele é outra: “Tenho interesse em conhecer, sim, mas quero mais
visibilidade para lutar”, disse.
Para participar de torneios deste tipo, ele costuma receber uma bolsa –
um prêmio em dinheiro. Já disputou torneios em Barueri, na Grande São
Paulo, e em Sorocaba, no interior. Mas enquanto sonha um dia brilhar no
UFC Matias dá duro no dia-a-dia como operador de empilhadeira. “Mas
minha vida é o esporte. Pratico lutas marciais desde os 10 anos”,
ressalta, diante de mais uma oportunidade de exibir a sua “arte”.
E quem buscar nas palavras da Bíblia argumentos para contestar a
utilização das lutas de MMA com o objetivo de arrebanhar novos fiéis
será surpreendido por um contragolpe à altura. “Um versículo da Biblía
diz ‘Me fiz de louco para ganhar os loucos’. É sobre Davi, que ao se
deparar com mais uma morte, começou a babar. Nós usamos justamente esta
estratégia para viabilizar a palavra de Deus”, destacou o presbítero
Baby.
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