quinta-feira, 2 de setembro de 2010

FLÁVIO BERHRING EA MISSÃO DE PARTILHAR O JIU-JITSUu

Não é exagero afirmar que o Grande Mestre Flavio Behring é a personificação de um verdadeiro MESTRE DE ARTES MARCIAIS, daqueles que só encontramos nos antigos manuscritos orientais. Além de seu profundo conhecimento técnico sobre o Jiu Jitsu Gracie, mestre Flavio possui um carisma e simplicidade que contagiam e denotam um amplo entendimento do ser humano como um todo.
O faixa vermelha 9º grau nasceu no Rio de Janeiro em 21 de Novembro de 1937 e ao contrário do físico avantajado que ainda hoje enverga, sua infância foi acometida pela asma e pela fragilidade física.
O pai de Flavio, Sylvio de Macedo Behring, sabia que existia uma arte marcial que proporcionava não só eficiência na defesa pessoal como também acabava com a insegurança, a real causadora dos males de Flavio. Foi então que recorreu ao seu amigo Hélio Gracie e matriculou seu filho em 1947, aos 10 anos de idade na Academia Gracie.
Mestre Flavio Behring é hoje um dos Grandes Mestres mais tradicionais do Jiu Jitsu Gracie. Oriundo de uma família que sempre teve a educação dos filhos como principal preocupação, Mestre Flavio, além de uma educação acadêmica impecável, foi aluno do maior professor de Jiu Jitsu de todos os tempos: Hélio Gracie.
Com Hélio, o então garoto Flavio teve seu primeiro contato com o Jiu Jitsu e conclui o famoso curso completo de defesa pessoal da Academia Gracie. Seu segundo professor, e não menos importante, foi o então jovem João Alberto Barreto, que foi quem o formou como professor e lutador.
Fruto da primeira geração de professores da Academia Gracie, mestre Flavio Behring tinha como exemplos e companheiros de treinos: João Alberto Barreto, Carlson Gracie, Helio Vigio, Armando Viedrit dentre outros.
Estudioso do Jiu Jitsu foi o primeiro professor da Academia Gracie a praticar Judô com o sensei George Medhi, buscando melhorar suas técnicas de projeções.
Numa época onde o Judo buscava sua separação definitiva da denominação “Jiu Jitsu”, a Academia Gracie fazia constantes desafios aos Judokas e por isso mestre Flavio Behring foi duramente criticado, mas manteve-se firme em suas convicções.
Mais tarde, orientou também seus filhos Sylvio e Marcelo a treinar Judo, primeiro com o sensei Hélcio Gama e depois com o sensei Medhi.
A academia Behring no condomínio Nova Ipanema, fundada em 1979 pelo mestre Flavio com a ajuda do amigo, aluno e Mestre Ricardo Murgel, foi um celeiro de campeões que viriam a se destacar nos anos 90. Auxiliado pelos filhos Sylvio, na faixa roxa, e Marcelo, ainda na faixa azul, deram os primeiros ensinamentos a nomes como Guigo, Nino Shembri, Jorge Pereira, Leo Dalla, Muzio de Angelis, dentre outros.
Outro grande feito de mestre Behring foi o impulso que deu ao Jiu Jitsu paulista na década de 90. Segundo o próprio mestre, mérito esse que cabe mais aos seus filhos, em especial ao Marcelo que protagonizou em 1991 um histórico desafio de Vale-Tudo entre o Jiu Jitsu e Full Contact, junto com Ralph e Renzo Gracie.
Casado duas vezes, mestre Flavio teve cinco filhos do primeiro casamento e três no segundo. Um dos golpes mais difíceis que sofreu foi a perda de seus filhos Marcelo e de sua caçula Beatriz.
Atualmente, o mestre passa a maior parte do ano realizando seminários ao redor do mundo em seus representantes e também em academias de outras modalidades de artes marciais. Os detalhes demonstrados são muitas vezes sutis, mas que elevam as técnicas ao patamar da perfeição e deixam espantados até mesmo os mais experientes faixas preta.
Convicto de sua missão de expandir o Jiu Jitsu Gracie, Mestre Flavio faz parte de um conselho formado por faixas vermelhas com o objetivo de promover o Jiu Jitsu. Ao contrário das diversas Federações e ligas que se formam com o objetivo único de promover campeonatos esportivos e dar apoio a lutadores profissionais, A Jiu Jitsu International Red Belt Council tem como objetivos:
“A Jiu Jitsu International foi criada como uma organização sem fins lucrativos para desenvolver o Jiu Jitsu como esporte amador;
O objetivo do JJI é criar uma Organização Internacional que irá manter a história do Jiu-Jitsu, desenvolver regras e padrões de classificação para competições, definir metas para a modalidade e regulamentar o sistema de graduações.
Deve ser o objetivo principal da JJI estabelecer, reconhecer e apoiar as organizações e membros individuais em todo o mundo, e trabalhar com o Comitê Olímpico Internacional para a inclusão de Jiu-Jitsu nos Jogos Olímpicos.”
O conselho é formado pelos grandes mestres João Alberto Barreto, Alvaro Barreto, Francisco Mansur e Flavio Behring.
Segundo o próprio Flavio Behring, algum tempo antes de partir, Marcelo pediu ao pai que continuasse com seu trabalho como professor, pois seria uma grande perda para o Jiu Jitsu não ter um mestre com tanto conhecimento orientando as novas gerações. Consciente de seu papel, mestre Flavio continua trilhando seu caminho e inspirando os apreciadores da Arte Suave.

ENTREVISTA FLAVIO BEHRING

Como o Sr. começou a treinar?
FB: Comecei aos 10 anos com Hélio Gracie. Eram aulas individuais, pois naquela época só existiam esse sistema de aulas. Como o objetivo principal era a defesa pessoal, era mais produtivo dessa forma. Em grupo o tempo necessário seria maior. Com essas aulas individuais de 30 minutos, era possível em 36 aulas dar condições ao indivíduo de se defender frente a várias situações de agressão.
E eu tinha uma dificuldade porque havia uma reação alérgica ao tatame que era coberto por uma lona de tecido acumulando impurezas que atacava minha asma, e às vezes eu nem queria ir à aula de Jiu Jitsu.
Em 1951 aconteceu um fato que me marcou muito. Eu tive um problema com um garoto mais velho no colégio que me bateu. Aquilo foi uma humilhação para mim, pois a garotada dizia: como eu sabendo Jiu Jitsu poderia ter apanhado?
Apesar de eu já ter treinado, eu ainda não possuía a segurança psicológica necessária para reagir e isso acabou por refletir na minha vida. Meu pai percebeu e como era amigo do Hélio Gracie, pediu ajuda a ele.
Eu estudava em Botafogo e o Hélio foi me buscar na saída do colégio.
Ele era uma celebridade e imediatamente uma enxurrada de crianças o cercou.
Alguns colegas vieram me falar: “o Hélio Gracie está ai, e está te procurando!!”. Foi então que todos no colégio ficaram atônitos, pois não entendiam que como eu que havia apanhado, agora era procurado pelo “grande” Hélio Gracie em pessoa??!! Na hora que eu o encontrei ele estava falando com os garotos e dizendo que estava me procurando, que eu era aluno dele e não estava autorizado a bater em ninguém. Aquilo foi determinante para acabar com os comentários no colégio e me deu uma grande motivação. Ele me abraçou e fomos para minha casa. Disse para eu almoçar e depois passar na Academia Gracie, na Av. Rio Branco.
Chegando lá fiquei impressionado com o tamanho da Academia!
Ele veio ao meu encontro e disse que eu não podia parar de treinar. Além disso, disse que queria que eu fosse treinado para ser um professor da Academia Gracie, pois precisava de pessoas com minhas qualidades.
Chamou, então, o João Alberto Barreto, na época com 16 anos e já um instrutor da Academia e me apresentando disse: ”quero que você o prepare para ser um bom professor e um campeão.” Imediatamente eu me identifiquei com ele e aquele foi um grande degrau na minha escalada dentro do Jiu Jitsu, pois como eu tinha as tardes livres, ia para Academia e acompanhava todas as aulas que o João Alberto dava.

Os treinos eram somente com o João Alberto?
FB: Eu fui um privilegiado, porque apesar de passar a maior parte do tempo com o João Alberto, que era um gênio na arte de ensinar, volta e meia o próprio Hélio me chamava para me avaliar ou ajudar em alguma aula. Além disso, os outros professores da Academia que eram ninguém menos que Carlson Gracie, Robson Gracie, Hélio Vígio e Armando Wriedt adquiriram uma afeição por mim por ser o mais novo. Era comum o Carlson me chamar para testar algum aluno dele contra mim. Como ainda eram raríssimas as competições externas, competições internas eram promovidas de forma a nos motivar.

Como o Sr. começou a dar aulas?
FB: Quando eu estava com uns 17 anos (1955), o João Alberto teve que fazer uma cirurgia no joelho e era algo muito traumático na época. Como teve que ficar afastado vários meses, indicou-me para substituí-lo.
Eu já tinha então uma postura e metodologia muito parecidas com o João Alberto e os alunos gostaram muito da minha aula, pois já estavam acostumados com o João Alberto. Além disso, como eu já treinava o dia todo, adquiri um bom físico e aos 17 anos eu já tinha 1,80m e quase 90kg.

O Sr. chegou a participar de algum desafio de Vale Tudo?
FB: Constantemente vinham lutadores e valentões na Academia Gracie desafiando o Hélio para se promoverem. Ele escolhia algum aluno e caso o lutador vencesse, ele adquiria o direito de enfrentá-lo. É claro que nunca alguém conseguiu passar.
No entanto minha primeira luta foi aos 14 anos e para mim, foi mais marcante. Um dia o Carlos Gracie me chamou e pediu para pegar o kimono que íamos sair. Seguimos para a Associação Cristã de Moços que era no Castelo. Eu fui achando que era mais uma das inúmeras demonstrações que fazíamos. Eu sempre era requisitado para demonstrar técnicas de defesa pessoal com o João Alberto Barreto e acabei me especializando muito nisso. Foi só lá que eu percebi que eu lutaria um desafio. Isso era bastante comum na Academia Gracie. Os lutadores de ponta e instrutores tinham que estar sempre preparados e para testar isso, os desafios não eram comunicados antecipadamente.
O meu adversário era um aluno do Grande Mestre Fadda, e já tinha por volta de 20 anos. Além disso, ele era também faixa preta de Judô. A luta seria num ringue de boxe. Como a Academia Gracie era a mais famosa, tínhamos uma torcida contra, pois todos queriam ver alguém derrotar o Jiu Jitsu Gracie. Lembro bem que eu estava com as pernas tremendo e fui empurrado pelo João Alberto para dentro do ringue. Era o primeiro desafio daquele garoto que havia se acovardado na escola. Estava eu dentro do ringue junto com o Carlos Gracie, que seria o juiz, dando as instruções e começamos a lutar.
Começou a luta e eu levei uma série de quedas mas num determinado momento o adversário me derrubou e me imobilizou. Eu imediatamente passei a mão por trás de pescoço dele e apesar de não conseguir ir para as costas, consegui executar o estrangulamento. Eu gritei para o Carlos: “Ele apagou!!”.
O Robson era responsável por soar o ringue e o Carlos pediu para ele soar imediatamente. Para minha surpresa, meu adversário foi reanimado rapidamente e quis continuar com outro round, alegando que não havia apagado. Ficou decidido então que a luta continuaria. Novamente ele me derrubou várias vezes e novamente me imobilizou na mesma posição. Eu entrei novamente com o mesmo estrangulamento e ele tentou proteger, primeiro com o queixo, mas a gola já havia entrado e depois ele tentou abaixar a cabeça. Novamente ele apagou e eu olhei pro Carlos que estava bem próximo. Para minha surpresa ele sussurrou: “Aperta!!!”(risos). Quando o adversário começou a babar em cima de mim, o Carlos mandou parar. Ele começou a ter algumas convulsões e depois foi reanimado. Finalmente meu braço foi erguido como vencedor e não houve mais dúvida nem para ele e nem o público sobre o resultado da luta.
Foi um marco para mim. Quando voltei pro vestiário, todos da Academia estavam me parabenizando e logo em seguida chegou o Hélio Gracie e com seu estilo característico disse simplesmente: “Fez bem!!”.
O Carlos também veio depois e me disse: “Muito bem! Quando cair nessa situação, aperta mesmo!! Não dá mole pro adversário!”
Algum tempo depois dessa luta, apareceu um Judoka chamado Shimura (não confundir com Kimura), desafiando o Hélio Gracie. Como ele não era famoso, o Hélio disse que antes ele precisaria lutar com o Carlson. Foi aí que uma tarde o Carlos me chamou na academia e fomos para a redação do Globo e depois no Jornal “A Noite”. Ele lançou um desafio que ao invés de enfrentar o Carlson, ele apostava uma quantia em dinheiro que o Shimura não iria nem passar por mim! O título da matéria era: “Jovem de 14 anos desafia Shimura”.
Na época as lutas de Jiu Jitsu tinham um enorme destaque na imprensa e no outro dia, ao chegar ao colégio, todos já sabiam do desafio. Agora aquele garoto que havia apanhado na escola, primeiro foi procurado pelo Hélio Gracie, depois desafiava publicamente um lutador Japonês. Por algum motivo, infelizmente o Japonês acabou não aceitando o desafio. Foi um grande passo para tirar toda a insegurança que eu tinha.

Houve outros desafios?
FB: Aos 17 anos eu já estudava a noite para passar o dia todo na Academia. O treino de Vale-Tudo fazia parte do nosso cotidiano, mas até então eu ainda não havia lutado em algum desafio sem regras. Foi então que o Hélio me chamou e disse que eu iria enfrentar um Capoeirista que estava na Academia. O Hélio me orientou a não bater nele, só derrubar e finalizar. A luta foi muito rápida e ele nem teve tempo de reagir, pois eu o estrangulei fazendo-o bater. Ele levantou e o Hélio perguntou: “Quer mais?”. Ele inconformado quis lutar novamente e tudo se repetiu. Eu já havia absorvido um dos princípios da Academia Gracie que pregava que o lutador não tinha que pedir tempo para se preparar. O lutador da Academia Gracie tinha que estar preparado sempre a qualquer dia e em qualquer situação.

Quando o Sr. iniciou, já havia uma consciência da superioridade da técnica do Jiu Jitsu?
FB: Quando meu pai me levou na casa do Hélio Gracie aos 10 anos, a primeira coisa que me despertou foi uma profunda admiração por ele. Hélio Gracie era um homem já de meia idade, simpático e com uma capacidade de ensinar qualquer um rapidamente. Em minutos você já conseguia executar alguma técnica do Jiu Jitsu. E todos sabiam que seu grande feito era transformar pessoas inseguras em homens confiantes. Eu era justamente um garoto com asma e raquítico e encarei aquilo como algo lúdico. Eu iria lá para “brincar” de luta. Com o passar dos anos fui assistindo e participando dos desafios, e foi só aí que tomei consciência da perfeição do Jiu Jitsu.
A perfeição da técnica era aliada a lutadores talentosos. O Hélio Gracie era um “garimpeiro” para encontrar bons lutadores. Ao andar pelas ruas ele tinha a capacidade de reconhecer em pessoas aparentemente normais o potencial para lutar. Muito lutadores da Academia Gracie começaram sendo convidados na rua pelo Hélio. O mais famoso foi o Waldemar Santana.

Quando o Sr. decidiu abrir sua própria academia?
FB: Aos 18 anos meu pai já havia me orientado a continuar os estudos e começar a trabalhar. Eu queria ser professor de Jiu Jitsu, mas naquela época não existia nenhuma perspectiva financeira, pois nenhum dos professores pensava em abrir uma academia própria. Éramos todos engrenagens daquela grande e única máquina que era a Academia Gracie.
Antes disso, eu ao contrário da maioria dos jovens, decidi servir o exército. Foi um hiato que houve no Jiu Jitsu, onde eu passei a freqüentar a academia esporadicamente. E eu pude sentir isso através de uma experiência amarga. Um dia, fui à academia e fui finalizado por um aluno que eu freqüentemente vencia. Foi aí que o João Alberto me alertou sobre as conseqüências da minha ausência. Logo em seguida eu comecei a trabalhar com publicidade e então eu passei de professor assíduo a uma pessoa com freqüência de aluno.
Felizmente, aos 20 anos eu consegui um horário no tatame da Associação Cristão de Moços e comecei a dar aulas. O time do Fluminense era a base da seleção brasileira de Pólo Aquático e como eram meus amigos, começaram também a fazer aulas comigo. Algum tempo depois, o João Alberto abriu a academia dele em Copacabana e me convidou para ajudá-lo. Eu trabalhava com publicidade durante o dia e dava aulas à noite e fiquei muitos anos com ele. O João Alberto formou-se em Direito e depois em Psicologia e decidiu fechar a Academia, pois ia abrir uma clínica. O irmão dele, Álvaro Barreto também tinha uma academia em Copacabana e boa parte dos alunos do João Alberto foi para lá.
Também fui convidado a dar aulas na Academia do Álvaro e fiquei com ele alguns anos também. Inclusive, meu filho Sylvio é formado pelo Álvaro Barreto.
No final da década de 70 montei, juntamente com o amigo e aluno Ricardo Murgel (faixa preta de judô) a primeira academia na Barra da Tijuca no Condomínio Nova Ipanema, num galpão improvisado e que acabou se tornando um celeiro de grandes campeões.

Seus filhos Sylvio e Marcelo já treinavam?
FB. Eles começaram muito cedo. O Sylvio foi graduado pelo Álvaro Barreto e o Marcelo pelo Rickson Gracie. Tiveram toda formação de base comigo até os 14 anos e depois eu os deixava optarem para continuar com quem escolhessem.

O Sr. também treinou Judo?
FB: Num determinado momento, senti a necessidade de aperfeiçoar minha técnica de quedas. Desde 1951 eu era amigo do Sensei George Medhi, quando ele chegou ao Brasil e foi pra Academia Gracie. Ele já havia ido para o Japão treinar na Kodokan e era um exímio Judoka. Treinei com ele durante anos em sua academia em Ipanema, onde permanece até hoje.
Eu consegui então uma excelente técnica de pé graças ao Sensei Medhi,que além de técnica apurada, era fisicamente forte e muito experiente.
Eu fui o primeiro professor de Jiu Jitsu Gracie a treinar Judo. Isso foi por volta de 1962/63 e fui duramente criticado por isso. Até mesmo o Sensei Medhi foi criticado pela comunidade do Judo, pois eu fui disputar um campeonato de Judo e todos sabiam que eu era professor de Jiu Jitsu. Hoje os lutadores mais completos fazem isso, mas naquela época eu sofri um grande preconceito. Inclusive nesse campeonato, eu fiz cinco lutas e ganhei três por Ippon, mas acabei perdendo a final.
E quando o Sylvio e o Marcelo estavam na faixa azul, também os orientei a treinarem Judo com o Medhi. Sofreram muito na mão dele (risos). Eles participaram de vários campeonatos de Judo e foi muito importante para refinarem ainda mais a técnica além da parte disciplinar que o Judo imprime.

Como foi a mudança para São Paulo?
FB: Eu já havia morado em São Paulo entre 1971 a 1975 devido ao meu trabalho no Unibanco. Depois voltei pro Rio e novamente em 1987, recebi outro convite para trabalhar em São Paulo. Nessa época, o Marcelo tinha acabado de voltar da Austrália e percebemos que São Paulo havia muito campo para o Jiu Jitsu expandir. Eu já conhecia um pessoal da Companhia Atlética e propus a eles começarem um trabalho forte com o Jiu Jitsu liderado pelo Marcelo. Ele já era muito famoso no Rio, mas desconhecido em São Paulo.
Com as freqüentes idas para surfar no litoral paulista, começou a trazer o pessoal do surfe para os treinos do Jiu Jitsu. Sua capacidade de comunicação, sua determinação e ousadia no surf, alem de um comportamento auto-confiante, chamou a atenção dos demais surfistas que logo formaram um time de adeptos do Jiu-Jitsu.
Pouco tempo depois a academia estava lotada e então promovemos um seminário na academia do Otávio de Almeida . Na época compareceram os poucos faixas pretas que havia em São Paulo e eu, o Sylvio e o Marcelo fizemos uma apresentação.
Além da própria comunidade do Jiu Jitsu, as revistas especializadas em Surfe como a Fluir e a Revista Trip começaram a dar espaço para o Jiu Jitsu. O Paulo Lima, editor da Trip fez muitas entrevistas (tanto na revista quanto no seu programa de rádio) com o Marcelo e foi muito importante para divulgar a arte.
Outra grande alavancada foi o Vale-Tudo que o Marcelo fez em Fevereiro de 1992 em São Paulo. Numa luta contra o José Carlos de Jesus venceu por finalização em 37 segundos. Na mesma noite teve uma luta do Ralph e uma do Renzo Gracie que também venceram facilmente.

O Sr. acha que havia muita diferença entre o Jiu Jitsu carioca e o paulista?
FB: Existia uma superioridade no Jiu Jitsu carioca, principalmente no aspecto esportivo.
Eu dava aulas somente à noite por causa do meu trabalho e na verdade, eu credito a vinda do Marcelo como fator determinante para elevar o nível do Jiu Jitsu paulista, pois ele dava aulas o dia todo e com seu carisma conseguiu divulgar e permitir a expansão da arte em São Paulo.
Considero essa a minha maior contribuição, ter trazido o Marcelo para São Paulo.
O Sylvio também ficou em São Paulo alguns anos e contribuiu muito para o desenvolvimento de uma escola de base e para a formação de competidores e instrutores qualificados.
O nível do Jiu Jitsu esportivo carioca era realmente melhor que o paulista.
Esse fato se deve a grande expansão havida no início da década de 70 com a criação e formação da primeira Federação do Estado do Rio de Janeiro, cujo presidente era o Grande Mestre Helio Gracie, dos campeonatos organizados e do número de novas academias derivadas dos profissionais formados pelas escolas Gracie e Fadda.
São Paulo já tinha importantes professores como Gastão Gracie, Pedro Hemetério e Octávio de Almeida (sênior), e o restante das academias estava espalhado pelo interior de São Paulo, todos alunos formados por George Gracie.
Era pequeno o numero de professores, para um estado tão populoso, e por isso os campeonatos eram raros.
Na cidade de São Paulo havia um trabalho evoluído de campeonatos feito pelo Octávio de Almeida (senior), basicamente voltado para crianças.
Além disso, os professores Gastão e Pedro Hemetério seguiam o princípio da Academia Gracie, que era enfatizar a Defesa Pessoal e aulas individuais.
Outro ponto importante é que quando vim para São Paulo, procurei não defender somente minha academia e meus afiliados. Eu dava seminário em todas as Academias que tinham interesse.
Dei aulas, por exemplo, para o pessoal do Judo do Sensei Shigueto Yamasaki.
Além de todo esse trabalho, nós fizemos de tudo para dar oportunidades para outros professores do Rio, como o Fabio Gurgel que começou a dar aulas numa grande academia de São Paulo graças à indicação minha e do Marcelo.

O Sr. dá muita ênfase ao Jiu Jitsu como forma de defesa. Por quê?
FB: O Jiu Jitsu brasileiro como é conhecido lá fora, é o Jiu Jitsu Gracie, que é o que eu ensino. Existem outros estilos de Jiu Jitsu que possuem outras formas e bases. O Jiu Jitsu japonês que foi transmitido à família Gracie tinha como base a defesa pessoal. A defesa pessoal é a estrutura de uma arte marcial. O objetivo da Defesa Pessoal é formar o indivíduo para que ele esteja preparado para enfrentar um combate. Somente através da defesa Pessoal é possível dar conhecimento e condicionamento técnico ao indivíduo para que ele possa conhecer a arte marcial com profundidade. Todos os outros componentes são decorrentes disso. A luta é o segmento esportivo do todo, que é a defesa pessoal.
Eu uso esse conceito nos meus seminários. Boa parte dos movimentos de Defesa Pessoal te levam ou induzem à luta no solo. Foi isso que Carlos e Hélio Gracie perceberam.
Quando eu comecei a aprender Jiu Jitsu na casa do Hélio Gracie, as aulas eram somente defesa pessoal. A “luta” era a parte recreativa. Algo para suar e se divertir. A preocupação principal era deixar o indivíduo apto a se defender em pé ou no chão.
Recentemente eu demonstrei na França que tudo que se pratica em termos de projeções, vem das posições de defesa pessoal. Por exemplo, dependendo do tipo de soco, é possível fazer 10 ou 12 projeções diferentes. A reação (defesa) vai depender do tipo de ação (soco).
O Judo no início, na sua essência era uma arte de defesa pessoal, mesmo porque deriva do Jiu Jitsu japonês.
A base do Jiu Jitsu de Carlos e Hélio Gracie era a defesa pessoal e a prática esportiva começou a se difundir muito a partir da década de 70 e foi aí que os aspectos principais começaram a ser perdidos, alijados ou distorcidos.
Muitos “mestres” ou “professores” atuais não têm essa formação básica, e concentram seu trabalho na luta, cujos resultados podem promover suas academias e conseqüentemente seus negócios.

Como o Sr. tem visto a evolução do Jiu Jitsu?
FB: O Jiu Jitsu tem que ser básico. O grande problema é que tem muitos “inventores” por aí e isso faz com que o Jiu Jitsu vire uma arte deformada. Na arte existe uma espinha dorsal que deve ser mantida.
Há alguns anos, o Hélio Gracie veio dar um seminário em São Paulo e eu exigi que todos meus alunos fossem e cheguei mesmo a pagar para aqueles que não podiam. Após o seminário um aluno veio me dizer “Mestre, a maioria das coisas que ele passou o Sr. já havia passado!” Eu disse:”Isso é muito bom, pois confirmava tudo aquilo que eu ensino”.
Seria muito preocupante se víssemos coisas que fossem contrárias ao que eu ensino todos esses anos. Essa similaridade é decorrência da minha formação com Hélio Gracie e João Alberto. Eu posso ter uma visão diferenciada de algumas técnicas e algumas variações, mas elas não podem ser contrárias as que me foram ensinadas. Eu faço do meu dia-a-dia um laboratório para sempre aperfeiçoar as técnicas. Em todo seminário eu começo dizendo: “Perguntem: Como? Por quê? Onde?

E quanto ao aspecto filosófico do Jiu Jitsu?
FB: Várias pessoas têm me perguntado sobre isso, principalmente fora do Brasil. O Jiu Jitsu não tem uma filosofia. Eu tenho a minha filosofia, mas não podemos dizer que o Jiu Jitsu tem uma linha filosófica. Ele tem uma linha em relação aos aspectos técnicos e alguns preceitos que Hélio e Carlos Gracie pregaram abordando a conduta e dieta do praticante. Mas é algo pouco difundido entre as academias se comparado às outras artes orientais. O Judô, por exemplo, tem uma espinha dorsal filosófica fundamentada por Jigoro Kano. Uma academia de Judô em qualquer lugar do mundo tem uma foto do Jigoro Kano. Todas as academias de Aiki-Do tem a figura de Morihei Ueshiba e possuem uma linha filosófica bem clara.
Eu exijo que as academias que me representam tenham uma figura do grande mestre Hélio Gracie, mas em outras academias é difícil você ver.
A maioria das academias acha que estar vinculado ao Jiu Jitsu já é suficiente para estar vinculado ao nome de Hélio Gracie. E não é. Praticar o Jiu Jitsu Gracie é estar subordinado a todo um conceito que foi desenvolvido pelos Mestres Carlos e Hélio Gracie, mas hoje poucas seguem essas diretrizes. Talvez a palavra diretriz se encaixe melhor que a palavra filosofia.

E como Sr. analisa os lutadores e professores de Jiu Jitsu que estão se mudando do Brasil?
FB: Há muito tempo meu filho Sylvio fez um prognóstico que os melhores lutadores e professores de Jiu Jitsu iriam embora do Brasil. Ele tinha razão, pois isso já acontece com os lutadores. Ainda existem excelentes professores aqui, mas alguns também estão mudando ou já se mudaram especialmente para os Estados Unidos.
Eu acredito que deveria ser feito um trabalho institucional para cuidar do Jiu Jitsu Gracie brasileiro. Não me refiro a trabalhos particulares de abrir academias e formar lutadores, mas alguma entidade que cuide para que essa arte não seja tomada dos brasileiros. Eu acredito que com a estrutura que os americanos têm isso pode acontecer muito rápido. Até mesmo a federação brasileira já tem uma federação “Internacional”, mas que tem somente interesses financeiros e particulares e não normas para garantir as diretrizes do Jiu Jitsu criado pelos brasileiros.

O Sr. atualmente passa mais da metade do ano fora do Brasil. Conte-nos um pouco.
FB: Eu tenho feito inúmeros seminários na França, Bélgica, Alemanha, Israel, Tahiti e outros países. Tive vários convites para abrir academias com o nome Behring. Mas é justamente aí que entra o trabalho institucional. O que eu tenho feito é divulgar a arte Jiu Jitsu. Obviamente meu nome fica em destaque, mas eu não me aproveito disso para ganhar mais. Seria muito fácil nomear qualquer faixa preta e o deixar dando aulas usando o nome Behring, mas eu zelo por isso e não compactuo com essa abordagem. Existem hoje pouquíssimos professores estrangeiros que foram graduados por mim e que tiveram que passar por um longo período de avaliação. E se não seguem a estrutura pedagógica e minha linha de ensino, eu não autorizo a usar meu nome.
Não deixo que qualquer um use meu nome, mas abro meus conhecimentos para todas as “bandeiras”. A forma de encarar o Jiu Jitsu de maneira particular resulta numa decepção que tive num seminário que fui dar na Dinamarca, onde alguns presentes me disseram que muitos praticantes não puderam comparecer, pois o “professor responsável” não autorizara, por eu não ser da mesma academia deles. Minha intenção é melhorar o nível do Jiu Jitsu, seja ele da escola que for.
Houve uma vez onde eu daria um seminário em Paris e no mesmo dia o Minotauro também ia se apresentar. Ele, apesar de ser muito mais novo do que eu, é um nome de destaque e eu fiz questão de orientar a todos que comparecessem à apresentação do Minotauro. Alguns optaram por não ir e eu acabei dando o seminário, mas todos estavam cientes.
Exemplo foi outra vez que estive em Porto Rico e uma semana depois, meu amigo, Mestre Francisco Mansur iria também dar um seminário. Eu exigi que todos meus alunos fossem! Aliás, se dependesse do organizador do seminário dele, iriam poucas pessoas. Felizmente, todos meus alunos foram e eu fiz questão de deixar um bilhete para ele mandando um abraço.

O seu site é quase todo em inglês. Por quê?
FB: Meu trabalho hoje é voltado para o mercado exterior no sentido de divulgar o Jiu Jitsu como instituição, como eu já disse. A idéia é ampliar a expansão da arte sem essa questão de querer defender somente a bandeira da sua academia. E eu vou mais distante, pois além de dar aulas para qualquer praticante, independente de sua academia, dou seminários também para academias de Tae Kwon Do, Kung Fu, Judô, Karate e outras. Inclusive eu tenho dado muitos seminários para o pessoal do Okynawa Kempo Karatê, pois suas regras abordam a parte de luta no solo. Alguns me criticaram, mas essa é uma maneira de mostrar para todos o valor do Jiu Jitsu e com isso, conseqüentemente atrair mais praticantes. A minha bandeira é o Jiu Jitsu! Eu quero contribuir para melhorar a qualidade geral do Jiu Jitsu.
Alguns faixas pretas meus tem me alertado que dando esses seminários em outros países e em outras academias eu estaria “alimentando o bandido” e depois eles viriam enfrentar os meus alunos usando essas técnicas. Eu disse que isso seria excelente, pois forçaria a manter sempre nosso nível em constante evolução.
Esses professores associados que eu tenho hoje fora do Brasil são fruto do trabalho que tenho feito representando, acima de tudo, o Jiu Jitsu e após atingirem um determinado patamar, me representam e dão amplitude a esse trabalho. Os meus representantes fazem a representação nominal usando meu nome, com a exigência única que participem dos seminários que faço periodicamente. A idéia é manter o padrão e a metodologia que eu aplico.

Alguma mensagem final?
FB: Todo esse trabalho que eu faço é contribuir para o cenário atual do Jiu Jitsu. Se eu conseguir melhorar a visão de poucas pessoas, eu já me sinto satisfeito. Peço a todos que estão se formando professores que tenham responsabilidade e compromisso, pois as pessoas que irão procurar esses professores acreditam que eles são capacitados ensinar o Jiu Jitsu.

Por Fábio Quio Takao, pesquisador


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